À medida que a sociedade se prepara para o possível caos que as alterações climáticas poderiam provocar, é crucial avaliar a gama de choques que a economia talvez tenha que enfrentar em breve. Uma forma de quantificar os efeitos dos choques potencialmente sistêmicos que podem se propagar pelo sistema financeiro é aplicar “testes de estresse” — um processo analítico bem concebido que o FMI, o Banco Mundial e os supervisores financeiros vêm usando há décadas para planejar cenários detalhados a fim de evitar novas crises financeiras.
Medir os riscos
Os testes de estresse da resiliência financeira aos riscos climáticos despontam como uma nova ferramenta importante em um novo estudo do FMI. Os testes de estresse climáticos medem de que forma uma crise climática afetaria o sistema financeiro, tanto em escala mundial como em cada país.
Esses testes captam como um choque financeiro inicial – um declínio repentino do crescimento econômico ou uma queda acentuada dos preços dos imóveis, por exemplo – pode amplificar-se ao longo de todo o sistema financeiro, em função dos vínculos entre as instituições financeiras e o funcionamento diário da economia, entre problemas de solvência e liquidez, entre governos e instituições financeiras, e entre as próprias instituições financeiras.
Os testes de estresse têm um histórico longo e positivo quando se trata de saber se as instituições financeiras, como os bancos e seguradoras, conseguiriam — mesmo nos cenários mais adversos — continuar a prestar serviços financeiros da maior importância. Acrescentar fatores relacionados ao clima à atual metodologia de testes de estresse ajudaria os dirigentes públicos e líderes do setor privado a se preparar para a ampla gama de possíveis choques financeiros que as ameaças climáticas poderiam desencadear.
Uma adaptação constante
Para manter a eficácia, os testes de estresse precisam se adaptar aos novos riscos. Inicialmente, eles analisavam a resiliência de instituições financeiras individuais. Após a crise financeira mundial de 2007–09, deu-se mais ênfase a metodologias que buscam quantificar os riscos para o conjunto do sistema financeiro (os chamados testes de estresse “macroprudenciais”). Com o passar dos anos, o FMI também melhorou seus instrumentos de análise macrofinanceira e exercícios de cenários, ampliando o quadro dos testes de estresse para abranger uma gama mais variada de ameaças.
Os riscos físicos decorrentes de danos materiais e os riscos de transição resultantes de mudanças nas políticas e tecnologias que afetam a transição mundial para uma economia de baixo carbono estão sendo incorporados aos testes de estresse do FMI. Os testes assim aprimorados conseguem avaliar o impacto potencial desses riscos sobre a estabilidade financeira e o crescimento econômico.
Os possíveis riscos físicos dos desastres naturais já foram abordados em alguns testes de estresse aplicados pelo FMI, especificamente no caso de pequenos Estados insulares como as Bahamas, Jamaica e Samoa. Os desastres naturais têm sido usados como choques que desencadeiam cenários adversos (por exemplo, um grande furacão que causa danos materiais e prejudica o turismo). As perdas diretas se materializam por meio da destruição ou da redução do valor de ativos e garantias, o que afeta o valor das exposições das instituições financeiras a empresas e famílias. Em alguns países, o total dos prejuízos econômicos é superior a 200% do PIB, como no caso de Dominica, atingida pelo furacão Maria em 2017. No futuro, os testes de estresse sobre riscos físicos devem captar uma parcela cada vez maior dos efeitos macrofinanceiros de desastres naturais mais frequentes e mais graves.
Os testes de estresse ligados à transição para uma economia de baixo carbono são uma área nova e em rápida evolução. É provável que essa transição produza choques à medida que a economia mundial se afaste de setores dependentes de recursos não renováveis, como a indústria do carvão. As instituições financeiras poderiam sofrer perdas associadas à exposição a empresas com modelos de negócios não alinhados com a economia de baixa emissão de carbono, caso as medidas de política, a evolução tecnológica e as mudanças de comportamento de consumidores e investidores resultem na diminuição dos lucros dessas empresas e em perturbações nas suas atividades e elevação dos custos de financiamento. Os riscos podem se materializar, sobretudo, se a transição para uma economia de baixo carbono for abrupta (em consequência da inação passada), mal concebida ou descoordenada em escala mundial. No futuro, um passo importante para desenvolver testes de estresse para os riscos de transição será captar os efeitos “de segunda ordem” — em que uma queda nos preços dos ativos leva a vendas apressadas, que deprimem ainda mais os preços, gerando um círculo vicioso e um mecanismo que amplifica o choque inicial.
A inclusão de fatores relacionados ao clima nos testes de estresse ajudará autoridades, líderes empresariais e investidores a antecipar-se às ameaças relacionadas ao clima. Ao fazer isso, o FMI e o Banco Mundial podem oferecer uma contribuição valiosa aos líderes de uma ampla gama de instituições — como bancos centrais, órgãos de supervisão, centros de estudo e o meio acadêmico — para auxiliar a sociedade a se preparar para futuras emergências que exigirão uma resposta ágil e rápida.
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Tobias Adrian é o Conselheiro Financeiro e Diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais (MCM) do FMI. Nessa função, dirige o trabalho do FMI relacionado com a supervisão do setor financeiro, as políticas monetária e macroprudencial, a regulação financeira, a gestão da dívida e os mercados de capitais. Além disso, supervisiona as atividades de fortalecimento das capacidades nos países membros do FMI. Antes de ingressar no FMI, foi Vice-presidente Sênior do Federal Reserve Bank de Nova York e Diretor Adjunto do Grupo de Estudos e Estatística.
Tobias Adrian lecionou na Universidade de Princeton e na Universidade de Nova York e é autor de numerosos artigos em publicações especializadas de economia e finanças, como American Economic Review,Journal of Finance, Journal of Financial Economics e Review of Financial Studies. Tem um doutorado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um mestrado da London School of Economics, um diploma da Universidade Goethe de Frankfurt e um mestrado da Universidade Dauphine de Paris. Recebeu seu diploma de bacharelado ( Abitur) em Literatura e Matemática da Humboldtschule Bad Homburg.
James Morsink é o Subdiretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais (MCM) do FMI, no qual é responsável pelas avaliações do setor financeiro e pela estratégia e gestão de recursos do departamento. Anteriormente, supervisionou a supervisão bilateral (em conjunto com as avaliações do setor financeiro).
Nos seus mais de 26 anos de trabalho no FMI, analisou temas macroeconômicos e macrofinanceiros globais. Na década de 1990, ocupou-se de questões como a transição para uma economia de mercado na Mongólia, a crise financeira na Tailândia e os problemas bancários no Japão. Na década de 2000, colaborou na produção do relatório World Economic Outlook e, posteriormente, liderou as missões do Reino Unido e da Irlanda, e negociou o Acordo Stand-By com a Hungria e a Linha de Crédito Flexível com a Polônia. Ingressou no MCM em 2012, como chefe da Unidade de Estratégia, e liderou a missão do programa de avaliação do setor financeiro (FSAP) da Dinamarca em 2014. Tornou-se Subdiretor do departamento em 2015. Graduou-se pela Universidade de Princeton e doutorou-se pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
Liliana Schumacher é economista sênior no FMI. Publicou numerosos artigos sobre temas ligados à estabilidade financeira, corridas aos bancos, desempenho bancário e testes de estresse. Seus estudos foram publicados na série Working Papers do FMI e em periódicos econômicos e financeiros avaliados pelos pares. Liderou missões do FSAP a Guatemala, Paraguai, Kosovo e Armênia, e foi subchefe de missões do FSAP a Singapura, Suécia, Espanha e Letônia. Foi responsável pela aplicação de testes de estresse em muitos FSAP. Antes de ingressar no FMI foi professora adjunta de negócios internacionais na Universidade George Washington. É doutora em Economia pela Universidade de Chicago.