Como poderá África enfrentar os crescentes desafios de política monetária

Por Tobias Adrian, Gaston Gelos e David Hofman
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Instrumentos como a intervenção cambial podem atenuar os efeitos dos choques, mas precisam de ser cuidadosamente ponderados em função dos potenciais custos a longo prazo.

Os países da África Subsariana enfrentam importantes desafios em termos de política monetária. A pandemia abalou o crescimento económico e, não obstante a retoma em curso, é provável que o produto fique abaixo da tendência pré-crise este ano. Além disso, vários países na região deparam-se com uma inflação crescente, um desafio que, em alguns casos, soma-se à dominância fiscal que emana de elevados níveis de dívida pública.

Muitas destas economias também poderão deparar-se com saídas de capital à medida que os principais bancos centrais nas economias avançadas retiram os estímulos de política e sobem as taxas de juro de referência nos próximos meses. O impacto económico do conflito que grassa na Ucrânia – incluindo a subida acentuada dos preços da energia e dos bens alimentares – é suscetível de intensificar ainda mais os desafios.

Como é que os países na África Subsariana devem gerir esta conjuntura volátil?

Considerações cambiais

Os países com regimes de taxa de câmbio administrada ou flutuante tiram partido, geralmente, do ajustamento das moedas, enquanto centram a política monetária nos objetivos internos.

Dito isto, muitos países na África Subsariana com regimes de taxa de câmbio flutuante apresentam características e vulnerabilidades que podem limitar os benefícios de taxas de câmbio totalmente flexíveis. A título de exemplo, a fixação de preços na moeda dominante (preços rígidos de exportação em USD) pode enfraquecer os ajustamentos comerciais benéficos associados a taxas flexíveis.

Além disso, os mercados pouco profundos (ou seja, mercados com liquidez limitada) podem amplificar as flutuações cambiais e gerar uma volatilidade excessiva. Os mercados cambiais tendem a ser pouco profundos em muitos países na região, tal como comprovado pelos grandes diferenciais entre os preços de compra e venda.

Mercados pouco profundos

Os elevados passivos denominados em moeda estrangeira também constituem uma importante vulnerabilidade em muitas economias. Na presença de grandes desfasamentos de moeda nos balanços, as desvalorizações cambiais podem prejudicar a saúde financeira das empresas e famílias. E uma menor credibilidade do banco central pode fazer com que as variações na taxa de câmbio tenham um maior efeito sobre a inflação (elevada transmissão). Estes desfasamentos de moeda e a elevada transmissão podem fazer com que o produto e a inflação sigam trajetórias opostas na sequência de choques, assim agravando os dilemas que os decisores políticos enfrentam.

Também há indícios de que a transmissão da taxa de câmbio em países de baixo rendimento é significativamente maior do que em economias mais avançadas, o que coloca um problema específico tendo em conta a amiúde forte dependência da importação de bens alimentares e energia.

Exposições em divisas

Como é que os países que apresentam tais vulnerabilidades devem gerir as suas respostas de política?

Em primeiro lugar, continua a ser importante reduzir as vulnerabilidades ao longo do tempo. Tal inclui diminuir os desfasamentos no balanço, desenvolver mercados monetários e cambiais, bem como reduzir a transmissão da taxa de câmbio através do reforço da credibilidade da política monetária. A assistência técnica do FMI pode ser útil em muitas destas áreas.

Contudo, no futuro próximo – enquanto as vulnerabilidades subsistem elevadas – o trabalho do FMI rumo a um Quadro Integrado de Políticas sugere que a utilização de ferramentas complementares pode ajudar a aliviar os dilemas de políticas no curto prazo, quando ocorrem determinados choques. Mais especificamente, nos casos em que as reservas são adequadas e estas ferramentas estão disponíveis, a intervenção cambial, as medidas de política macroprudencial e as medidas em matéria de fluxos de capital podem ajudar a reforçar a autonomia da política monetária, melhorar a estabilidade financeira e dos preços, assim como reduzir a volatilidade do produto.

Por exemplo, as simulações com os modelos do quadro sugerem que, na resposta a uma forte contração das condições financeiras mundiais ou a outro choque financeiro externo negativo, um país com tais vulnerabilidades pode melhorar os resultados económicos imediatos mediante o recurso à intervenção cambial para reduzir a desvalorização cambial e, assim, limitar o impacto inflacionista e atenuar os efeitos negativos no balanço. O resultado é um nível de produto maior e um nível de inflação mais baixo que não seriam possíveis sem a utilização do instrumento de políticas complementar. 

Embora as ferramentas complementares possam ajudar a aliviar os dilemas a curto prazo, este benefício precisa de ser cuidadosamente ponderado em função dos potenciais custos a longo prazo. Tais custos podem incluir, nomeadamente, menos incentivos para o desenvolvimento do mercado e a adequada gestão do risco no setor privado.

Além disso, pode ser muito difícil comunicar a utilização conjunta de vários instrumentos num quadro mais complexo, e a ampliação do conjunto de opções de política pode sujeitar os bancos centrais a pressões políticas. Assim, os bancos centrais precisam de ponderar os benefícios em função dos potenciais impactos negativos na sua própria transparência e credibilidade, em especial nos casos em que os quadros de políticas ainda não estão bem estabelecidos.

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Tobias Adrian é o Conselheiro Financeiro e Diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI. Nessa função, dirige o trabalho do FMI relacionado com a supervisão do setor financeiro, as políticas monetária e macroprudencial, a regulação financeira, a gestão da dívida e os mercados de capitais. Antes de ingressar no FMI, foi Vice-Presidente Sênior do Federal Reserve Bank de Nova York e Diretor Adjunto do Grupo de Estudos e Estatística. Lecionou na Universidade de Princeton e na Universidade de Nova York e é autor de numerosos artigos em publicações especializadas de economia e finanças, como American Economic Review e Journal of Finance. Seus estudos concentram-se nas consequências agregadas da evolução dos mercados de capitais. É Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Mestre pela London School of Economics, diplomado pela Universidade Goethe de Frankfurt e Mestre pela Universidade Dauphine de Paris.

Gaston Gelos é Diretor Adjunto do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI, onde chefia a Divisão de Políticas Monetárias e Macroprudenciais. Anteriormente, ocupou vários cargos nesse departamento e no Instituto do FMI, no Departamento de Estudos, no Departamento da Europa e no Departamento do Hemisfério Ocidental, e foi representante residente do FMI na Argentina e no Uruguai. Seus estudos abrangem uma série de tópicos microfinanceiros, publicados numa ampla gama de periódicos acadêmicos. Doutorou-se pela Universidade de Yale e formou-se pela Universidade de Bonn.

David Hofman é Subchefe da Divisão de Políticas Monetárias e Macroprudenciais do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI. Nesta função, tem estado intimamente envolvido no desenvolvimento do Quadro Integrado de Políticas do FMI. Anteriormente, no Departamento da Europa e no Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI, trabalhou com um amplo leque de países e conduziu missões do Artigo IV e do FSAP à Bielorrússia, Dinamarca, Finlândia e Noruega. É doutorado em Economia pela Universidade de Amsterdão.