A pandemia da COVID-19 representa uma crise sanitária e económica sem precedentes para a África Subsariana. No espaço de meses, a propagação do vírus comprometeu anos de desenvolvimento e ganhos acumulados em décadas na luta contra a pobreza na região, colocando em risco a vida e os meios de subsistência de milhões de pessoas.
Em nosso mais recente relatório sobre as Perspetivas económicas regionais, projetamos um crescimento de -3% do PIB na África Subsariana em 2020, o que representa o pior resultado alguma vez registado na região. A queda será ainda maior nas economias dependentes do turismo e das exportações de matérias-primas. O crescimento na região deverá recuperar ligeiramente em 2021 para 3,1% mas, em muitos países, um regresso aos níveis de 2019 não ocorrerá até 2022-24.
Os países da região atuaram rapidamente com vista a proteger os seus cidadãos do pior da crise, mas as medidas de confinamento envolveram elevados custos económicos e sociais. Os decisores políticos na África Subsariana enfrentam agora o desafio acrescido de reavivar as suas economias com menos recursos e serão confrontados com escolhas mais difíceis.
À medida que a região encara o futuro, a incerteza quanto à evolução da pandemia continua a ameaçar uma recuperação duradoura.
Limitações e escolhas difíceis para as políticas
A prioridade máxima das políticas públicas deve ser salvar vidas e proteger os meios de subsistência através de despesas com a saúde e do apoio ao rendimento e à liquidez das empresas e das famílias. Mesmo com fundos limitados, os decisores políticos atuaram rapidamente com o que tinham.
No entanto, os países da região entraram na crise com um espaço orçamental
significativamente menor do que dispunham antes da crise financeira mundial
de
2008-09. Na África Subsariana, o apoio orçamental relacionado com a
COVID-19 ascendeu a uma média de 3% do PIB – claramente inferior ao que foi
gasto em outras regiões do mundo.
As economias avançadas dispuseram do espaço para fazer “tudo que fosse necessário”. Na África Subsariana não existe tal luxo; os países lutam para fazer “tudo que for possível” com os seus escassos recursos.
Em última análise, os recursos limitados irão forçar escolhas difíceis.
As políticas orçamentais necessárias para impulsionar a economia terão de ser equilibradas face à sustentabilidade da dívida – o que já constitui um enorme desafio para muitos países da região. A necessidade de apoiar o crescimento através da política monetária terá de ser conciliada com a manutenção da estabilidade externa e da credibilidade no longo prazo. São necessárias medidas na área de regulamentação e supervisão financeira para abordar a questão das empresas e dos bancos afetados pela crise, sem comprometer o crescimento no longo prazo.
E os esforços no sentido da estabilização e do crescimento das economias devem ser ponderados face à necessidade de manter a estabilidade social, preparando simultaneamente o terreno para um crescimento sustentado e inclusivo no longo prazo.
Apelo ao apoio da comunidade mundial
Sem uma assistência financeira adicional significativa, muitos países da África Subsariana terão dificuldade em simplesmente manter a estabilidade macroeconómica e, em simultâneo, satisfazer as necessidades básicas das suas populações.
O FMI tomou medidas rápidas para suprir uma parte significativa das necessidades da região e concedeu, somente este ano, cerca de USD 16 mil milhões de financiamento a 33 países e um alívio imediato do serviço da dívida a 22 dos países mais pobres e vulneráveis da África Subsariana. Estamos a trabalhar com os países na implementação de um mecanismo de governação para ajudar a garantir que os fundos beneficiam os seus cidadãos, conforme pretendido.
Trabalhamos também com o G-20 para suspender os pagamentos do serviço da dívida a credores bilaterais e saudamos a prorrogação da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida.
Mas é necessária mais ajuda. A África Subsariana enfrenta necessidades de financiamento adicionais de USD 890 mil milhões até 2023. Prevê-se que os fluxos financeiros privados supram menos de metade dessas necessidades, ao passo que os atuais compromissos de instituições financeiras internacionais e de doadores bilaterais só cobrirão um quarto das necessidades. Neste contexto, a região ainda enfrenta um défice de financiamento projetado de USD 290 mil milhões até 2023.
Nenhum país deve ter de escolher entre pagar a sua dívida ou fornecer alimentos e medicamentos aos seus cidadãos. Para evitar a perda de décadas de progressos em termos de desenvolvimento, a região necessita de ter acesso a mais donativos, a crédito concessional e a alívio da dívida.
A esperança de um futuro melhor
Apesar das perspetivas incertas, o potencial da África Subsariana e o engenho da sua população permanecem evidentes. Chegou o momento de realizar reformas para uma transformação duradoura.
A África Subsariana irá encontrar o seu caminho de volta a uma trajetória de desenvolvimento verde, sustentável e inclusivo. A pandemia representa uma oportunidade histórica para construir um futuro melhor, e a comunidade internacional tem um papel importante a desempenhar.
Promover uma melhor transparência e governação – a fim de aumentar a confiança no Estado de direito, reforçar o ambiente de negócios e incentivar o apoio externo – será um elemento fundamental para construir um futuro melhor. As reformas transformativas internas, destinadas a melhorar a mobilização das receitas, a digitalização, a integração do comércio, a concorrência, as redes de segurança social e a mitigação das alterações climáticas, serão essenciais para a resiliência, o crescimento e a criação de emprego na região.
Nelson Mandela disse uma vez: “Que as suas escolhas reflitam suas esperanças, não seus medos”. A longa saída desta crise não será fácil, mas as ações e as escolhas de hoje serão vitais para assegurar um futuro próspero e resiliente para a África Subsariana.
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Abebe Aemro Selassie é Diretor do Departamento de África do FMI. Anteriormente, foi subdiretor deste departamento. No FMI, liderou as equipas de trabalho com Portugal e a África do Sul, bem como a elaboração do relatório Perspetivas económicas regionais para a África Subsariana . Trabalhou também com as equipas responsáveis pela Tailândia, a Turquia e a Polónia, bem como numa série de questões de políticas públicas. Entre 2006 e 2009, foi o representante residente do FMI no Uganda. Antes de ingressar no FMI, Abebe Aemro Selassie trabalhou para o Governo da Etiópia.