Túmulos de soldados mortos na Primeira Guerra Mundial, próximo a Verdun, na França: no centésimo aniversário do fim da Grande Guerra, os líderes devem ouvir com muita atenção os ecos da história. (Foto: Mathieu Pattier/SIPA/Newscom) Túmulos de soldados mortos na Primeira Guerra Mundial, próximo a Verdun, na França: no centésimo aniversário do fim da Grande Guerra, os líderes devem ouvir com muita atenção os ecos da história. (Foto: Mathieu Pattier/SIPA/Newscom)

Quando a história rima

Christine Lagarde

Mark Twain observou que “a história nunca se repete, mas muitas vezes rima”. Ao se reunirem em Paris esta semana para marcar o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial, os chefes de Estado devem ouvir com muita atenção os ecos da história para que não repitam as notas discordantes do passado.

Por séculos, nossos destinos econômicos foram moldados pelas forças gêmeas do progresso tecnológico e da integração mundial. Tais forças podem impulsionar a prosperidade entre todas as nações. Se, porém, forem mal administradas, podem também provocar calamidades. A 1ª Guerra Mundial é um exemplo doloroso de como tudo pode dar errado. 

Os 50 anos anteriores à Grande Guerra foram um período de avanços tecnológicos extraordinários: barcos a vapor, locomoção, eletrificação, telecomunicações. Esse período definiu os contornos do mundo moderno. Foi também um período de integração global sem precedentes — para muitos, foi a primeira era de globalização, em que os bens, o capital e as pessoas podiam cruzar fronteiras relativamente sem obstáculos. Entre 1870 e 1913, muitas economias registraram aumentos expressivos das exportações como parcela do PIB — um sinal de abertura crescente.  

Tudo isso gerou muita riqueza, que, porém, não foi distribuída de forma justa ou equitativa. Foi uma era de fábricas escuras e perigosas e de barões ladrões; foi também uma era de grande e crescente desigualdade. Em 1910, no Reino Unido, o 1% mais rico da população controlava quase 70% da riqueza nacional — a maior disparidade já registrada até hoje.

Naquela época, assim como no presente, o aumento da desigualdade e a assimetria de benefícios da evolução tecnológica e da globalização contribuíram para uma forte reação contrária. No período que antecedeu a guerra, a resposta dos países foi buscar a superioridade, abandonando um ideal de cooperação mútua em favor da dominância de soma zero. O resultado foi catastrófico: todo o peso da tecnologia moderna a serviço da carnificina e destruição.

E em 1918, quando os líderes percorreram os campos de papoulas semeados de cadáveres, eles não souberam extrair as lições corretas. Mais uma vez, privilegiaram os ganhos de curto prazo em detrimento da prosperidade a longo prazo — renunciaram ao comércio internacional, tentaram recriar o padrão ouro e repudiaram os mecanismos de cooperação pacífica. Em resposta ao Tratado de Versalhes, John Maynard Keynes — um dos pais fundadores do FMI — escreveu que a insistência em impor à Alemanha a ruína financeira acabaria em desastre. Ele acertou em cheio.

Só após enfrentar os horrores de mais uma guerra os líderes mundiais conseguiram encontrar soluções mais duradouras para nossos problemas comuns. As Nações Unidas, o Banco Mundial e, é claro, a instituição que hoje lidero, o FMI, são parte importante desse legado.

E, desde o princípio, o sistema criado após a Segunda Guerra Mundial teve como objetivo a capacidade de adaptação. Da transição para os regimes de câmbio flexível na década de 1970 até a criação da Organização Mundial do Comércio, nossos predecessores reconheceram que a cooperação internacional tem que evoluir para sobreviver.

Vemos hoje semelhanças notáveis com o período que levou à Grande Guerra: avanços tecnológicos assombrosos, integração global mais profunda e prosperidade cada vez maior, que retirou um vasto número de pessoas da pobreza mas que, infelizmente, também deixou muitos para trás. As redes de proteção são melhores e têm sido úteis, mas um sentimento de rancor e frustração crescente tem ressurgido em alguns lugares, somado a uma reação contrária à globalização. E, mais uma vez, temos de nos adaptar.

É por isso que tenho defendido ultimamente um novo multilateralismo, que seja mais inclusivo, mais centrado nas pessoas e mais responsável. Esse novo multilateralismo deve revitalizar o antigo espírito de cooperação e, em simultâneo, abordar um espectro mais amplo de desafios — da integração financeira às fintech, passando pelo custo da corrupção e as mudanças climáticas.

Nossos estudos recentes sobre os benefícios macroeconômicos do empoderamento feminino e a modernização do sistema de comércio internacional oferecem novas ideias sobre como criar um sistema melhor.

Cada um de nós — cada dirigente e cada cidadão — tem a responsabilidade de contribuir para essa reconstrução.

Afinal de contas, o que era verdade em 1918 ainda é verdade hoje: a convivência pacífica das nações e as perspectivas econômicas de milhões de pessoas dependem diretamente de nossa capacidade de descobrir as rimas de nossa história comum.