Os ganhos econômicos da inclusão de gênero: bem maiores do que você imaginava

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Aumentar a participação das mulheres na força de trabalho pode dar um impulso maior ao crescimento do que se imaginava (crédito: Ahrens + Steinbach Projekte/fotogloria/Newscom).

Apesar de alguns avanços, as diferenças entre homens e mulheres em termos de participação na força de trabalho continuam grandes. Para citar apenas um exemplo, nenhuma economia avançada ou de média renda conseguiu reduzir essa diferença para menos de 7 pontos percentuais.

Essa desigualdade de condições entre mulheres e homens tem um custo econômico considerável, pois prejudica a produtividade e pressiona o crescimento. Em um estudo recente do FMI , constatou-se que as barreiras ao ingresso das mulheres na força de trabalho — pensemos em distorções tributárias, discriminação e fatores sociais e culturais — têm um custo mais alto do que o sugerido por estudos anteriores e que os benefícios de eliminar as diferenças de gênero são ainda maiores do que se imaginava. Assim, as autoridades devem se concentrar em eliminar essas barreiras com urgência.

A diversidade de gênero é importante

Nossa análise deriva da observação — sustentada por evidências microeconômicas consideráveis — de que mulheres e homens trazem diferentes habilidades e perspectivas para o trabalho, inclusive posturas distintas com relação ao risco e à colaboração. Estudos também mostraram que o desempenho financeiro das empresas melhora quando os conselhos de administração são mais equilibrados em matéria de gênero. Curiosamente, estudos anteriores não examinaram as implicações macroeconômicas dessas evidências micro.

Na análise econômica padrão, a força de trabalho é a soma do número de trabalhadores masculinos e femininos. Como a substituição de um homem por uma mulher não afeta essa soma, não há ganhos com a diversidade de gênero: homens e mulheres são considerados perfeitamente substituíveis.

Mas nossas evidências — a partir de dados macroeconômicos, setoriais e empresariais — mostram que mulheres e homens se complementam no processo de produção, gerando um benefício adicional em termos de crescimento, decorrente do aumento do emprego das mulheres. Em outras palavras, o acréscimo de mulheres à força de trabalho deveria gerar mais ganhos econômicos do que um aumento igual do número de trabalhadores do sexo masculino (refletindo o fato de que, no jargão dos economistas, a elasticidade da substituição entre mulheres e homens na produção é baixa).

Principais benefícios da redução das diferenças de gênero

As implicações dessa constatação são significativas.

Um impulso maior ao crescimento: Como as mulheres trazem novas habilidades para o trabalho, reduzir as barreiras à participação delas na força de trabalho produz ganhos em termos de produtividade e crescimento resultantes do emprego de mais mulheres maiores do que se imaginava. De fato, nosso exercício de calibragem sugere que, nos países que se situam na metade inferior de nossa amostra em termos de desigualdade de gênero, eliminar a diferença entre os gêneros poderia aumentar o PIB em 35%, em média. Quatro quintos desses ganhos viriam do acréscimo de trabalhadores à mão de obra, mas um quinto dos ganhos decorreria do efeito da diversidade de gênero sobre a produtividade.

Aumento da produtividade: Ao interpretar dados do passado em situações em que a diferença de gênero vem diminuindo ao longo do tempo, a contribuição para o crescimento decorrente do aumento da eficiência (ou da elevação da produtividade total dos fatores) é superestimada. Na verdade, uma parcela do ganho atribuído à produtividade se deve ao aumento da participação das mulheres ao longo do tempo.

Aumento da renda masculina: Nossos resultados sugerem que os salários dos homens também crescem em decorrência da maior inserção das mulheres na força de trabalho, pois a produtividade aumenta. Trata-se de um dado importante, porque esse aumento dos salários deve reforçar o apoio à eliminação de barreiras que impedem as mulheres de conseguir empregos dignos.

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Ganhos maiores na redução das barreiras de gênero ao longo do caminho para o desenvolvimento: A ascensão do setor de serviços impulsionada pelo desenvolvimento econômico atrai mais mulheres para a força de trabalho. Contudo, nosso estudo mostra que as barreiras ao emprego das mulheres retardam esse processo. Tais barreiras variam entre regiões e países e são muito elevadas em algumas partes do mundo — chegam a equivaler a uma taxação do emprego feminino de até 50%. E a consequente perda de bem-estar (que leva em conta o consumo e o tempo de lazer) é expressivas, mesmo após considerar que a “produção doméstica” diminui quando as mulheres ingressam na força de trabalho. Por exemplo, descobrimos que os custos em termos de bem-estar ultrapassam os 20% na região do Oriente Médio e Norte da África e no Sul da Ásia.

Colher os benefícios

Embora não haja uma solução milagrosa, várias políticas podem ajudar a reduzir as diferenças de gênero. Entre elas, destaca-se a promulgação de leis para assegurar que as mulheres desfrutem dos mesmos direitos de propriedade e acesso ao crédito. A reforma tributária (por exemplo, substituir a tributação familiar pela individual e oferecer créditos fiscais) pode incentivar os assalariados de baixa renda a participar da força de trabalho. Combater a desigualdade de gênero na educação e na saúde, ao custear com recursos públicos a licença-maternidade e a licença‑paternidade e ampliar a disponibilidade de serviços de apoio à infância e à terceira idade, pode aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho. Melhorar o acesso à infraestruturas de transporte, eletricidade e água também ajudaria a elevar a participação das mulheres no trabalho.

O panorama geral

Essas preocupações não são exatamente novidade, mas assumiram um novo sentido de urgência. Há anos, o FMI tem estado na vanguarda da análise de políticas, destacando os custos econômicos da desigualdade e as possíveis soluções . Sabemos que a desigualdade de condições para mulheres e homens tem custos econômicos substanciais e pode prejudicar a saúde econômica das nações. O que estamos descobrindo atualmente é que esses custos são ainda maiores do que imaginávamos. Agora que enxergamos o quadro completo, o argumento em favor do aumento da equidade de gênero se tornou ainda mais persuasivo.

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Christine Lagarde é Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional. Após cumprir seu primeiro mandato de cinco anos, foi renomeada para um segundo mandato em julho de 2016. Cidadã francesa, foi Ministra das Finanças da França de junho de 2007 a julho de 2011, tendo servido também como Ministra de Estado de Comércio Exterior por dois anos.

Christine Lagarde teve uma longa e destacada carreira como advogada especializada em direito concorrencial e trabalhista. Foi sócia do escritório de advocacia internacional Baker & McKenzie, do qual foi eleita presidente em outubro de 1999. Ocupou o cargo máximo do escritório até junho de 2005, quando foi indicada para sua primeira pasta ministerial na França. É formada pelo Instituto de Ciências Políticas (IEP) e pela Faculdade de Direito da Universidade Paris X, onde lecionou antes de ingressar no Baker & McKenzie em 1981.

Jonathan D. Ostry é o Subdiretor do Departamento de Estudos do FMI. Em seu cargo atual, supervisiona os estudos e a formulação de políticas relacionadas com os exercícios de alerta do Fundo Monetário Internacional e do Conselho de Estabilidade Financeira, os exercícios de vulnerabilidades para países avançados e de mercados e emergentes, a supervisão multilateral das taxas de câmbio e questões ligadas à arquitetura financeira internacional. Anteriormente, dirigiu a divisão que produz a principal publicação sobre a supervisão multilateral do FMI, o World Economic Outlook, e comandou equipes dedicadas à Austrália, Japão, Nova Zelândia e Singapura. É autor ou organizador de numerosos livros sobre questões de política macroeconômica internacional e de artigos em publicações especializadas.