A crise do coronavírus é uma crise sem igual que, nas economias de mercados emergentes e em desenvolvimento (EMED), desencadeou uma resposta de política econômica sem igual, tanto em seu alcance como em sua magnitude.
Apesar de sua diversidade e, em alguns casos, de seus recursos limitados, esse grande grupo de países – composto por mercados emergentes e países de baixa renda – reforçou a prestação de serviços de saúde e proporcionou um apoio sem precedentes a famílias, empresas e mercados financeiros. Dada a reduzida margem de manobra de política econômica, sua resposta à crise não atingiu a mesma magnitude que a das economias avançadas, mas algumas delas conseguiram até ajudar outros países.
Um mundo totalmente novo
A atividade econômica nas EMED vem desacelerando a um ritmo não visto nos últimos 50 anos, à medida que o impacto da pandemia de COVID-19 assola a economia mundial. Vários países estão enfrentando uma forte queda no comércio e nos fluxos de capital, além do impacto do colapso sem precedentes nos preços do petróleo e de outras commodities. Houve uma série de rebaixamentos das classificações de crédito soberano.
A ferramenta Policy Tracker do FMI resume as principais políticas adotadas em resposta à pandemia de COVID-19, e há alguns pontos em comum nessas respostas.
Política fiscal para salvar vidas e proteger meios de subsistência
A política fiscal tem estado em primeiro plano na resposta das EMED. Nessas economias, a crise sanitária exige um enorme volume de gastos em saúde, embora esse aumento de gastos seja incomparavelmente menor que os recursos necessários para apoiar a economia em geral. Os países têm concedido empréstimos, garantias e incentivos fiscais a empresas e PME, bem como ampliado o apoio a famílias vulneráveis por meio do aumento do seguro-desemprego e dos subsídios às tarifas dos serviços públicos.
O financiamento dessas novas medidas provém de várias fontes, como empréstimos, o uso de reservas, a redefinição de prioridades dentro dos orçamentos existentes e o apoio multilateral.
Quando a crise começou, algumas economias já estavam em situação vulnerável, com crescimento lento, endividamento elevado e espaço fiscal limitado para apoiar o setor da saúde e uma economia anêmica. Mesmo antes da crise, considerava-se que cerca de metade dos países de baixa renda estavam superendividados ou em alto risco de superendividamento, segundo a análise de sustentabilidade da dívida conduzida pelo FMI. Em parte como reflexo dessas limitações, o total da resposta fiscal discricionária ao choque foi menor (embora ainda considerável), tanto nas economias de mercados emergentes como nas de baixa renda: 2,8% e 1,4% do PIB, respectivamente, em gastos adicionais e reduções de impostos, em comparação com 8,6% do PIB nas economias avançadas.
Apoio monetário e ao setor financeiro: uma âncora para a estabilidade
Os bancos centrais das EMED amorteceram o impacto do choque sobre as condições de crédito por meio de cortes nas taxas de juros de referência e injeções de liquidez. Ao contrário do que ocorreu em episódios anteriores de pressões causadas por saídas de capital – como na primeira etapa da crise financeira mundial – a maioria das economias de mercados emergentes baixou os juros de referência (a maioria delas em pelo menos 50 pontos-base) em vez de elevá-los. Isso pode ser atribuído à menor pressão inflacionária e a quadros de política monetária que, de modo geral, são mais dignos de credibilidade.
Assim como muitas economias avançadas, alguns mercados emergentes dispõem de pouca margem para novos cortes de juros e, por isso, implementaram respostas de “política monetária não convencional”, como a compra de títulos públicos e privados.
As restrições regulatórias, como as que se aplicam à liquidez e à classificação de empréstimos, foram relaxadas para que os bancos possam oferecer mais apoio durante a pandemia.
Além disso, alguns países, como a China e a Colômbia, flexibilizaram determinadas medidas macroprudenciais, como as restrições à concessão de empréstimos e ao endividamento adotadas para conter o crescimento excessivo dos empréstimos e a acumulação de riscos sistêmicos no setor financeiro que pode ocorrer em tempos de bonança. Um relaxamento dessas medidas pode agora apoiar a oferta de crédito às pessoas e setores econômicos mais duramente afetados.
Manter a flexibilidade
As moedas das EMED com regimes de câmbio flexíveis se desvalorizaram em resposta às pressões decorrentes das saídas de capital e do aumento da aversão ao risco, mais de 25% em alguns casos.
Muitas economias aproveitaram suas margens de reserva para compensar parte dessa pressão, ao intervir no mercado de câmbio e utilizar suas reservas internacionais. Uns poucos países relaxaram os controles à entrada de capital, enquanto o uso de medidas para conter a saída de capital tem sido muito limitado.
Digitalização: uma tábua de salvação para proteger os mais vulneráveis
Países como a Bolívia e a Indonésia estão usando a tecnologia digital para combater as dificuldades econômicas repentinas das famílias e das pequenas e médias empresas e para limitar a propagação da doença, ao incentivar os pagamentos em moeda escritural. Outros, como a Colômbia e o Quênia, estão garantindo o acesso a serviços digitais e financeiros a um custo razoável, ao reduzir as restrições de acesso à internet e as taxas sobre o uso do dinheiro móvel e os pagamentos eletrônicos. Já a Zâmbia concedeu subsídios aos pequenos agricultores por meio de uma plataforma digital.
“As soluções digitais têm ajudado a direcionar o alívio para os mais vulneráveis e aumentar a eficácia das políticas macroeconômicas tradicionais.”
Administrar as perturbações na cadeira produtiva
Como a pandemia e o confinamento prolongado prejudicaram as cadeias produtivas globais, muitos países tomaram medidas para garantir a segurança alimentar e o acesso contínuo a suprimentos médicos, na maioria dos casos de forma temporária. Por exemplo, vários países instituíram controles de preços e emitiram regulamentos que proíbem o aumento abusivo de preços de alimentos básicos e suprimentos médicos. Alguns flexibilizaram os controles sobre as importações. Infelizmente, em vários casos, foram introduzidas restrições à exportação de alimentos e produtos farmacêuticos.
Solidariedade internacional para ajudar os países a ir mais longe
Em resposta ao choque da COVID-19, a rede global de proteção financeira foi ativada e reforçada. A Reserva Federal dos Estados Unidos abriu novas linhas de swap com bancos centrais de várias economias avançadas e emergentes.
A iniciativa de moratória da dívida liderada pelo G-20 e a assistência financeira do FMI e de outras instituições estão ajudando as EMED a enfrentar os desafios. O FMI agiu rapidamente para prestar ajuda emergencial a mais de 60 países. Com o aumento da demanda por liquidez, o FMI criou recentemente uma nova Linha de Liquidez de Curto Prazo (SLL, na sigla em inglês) como parte de sua resposta à COVID-19 para complementar seus instrumentos de crédito. Além disso, a injeção maciça de liquidez pelos bancos centrais das principais economias avançadas, embora tenha como principal objetivo apoiar as condições financeiras internas, também aliviou as pressões sobre as economias de mercados emergentes e em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, as EMED também estão ampliando a assistência mútua e a outros países em necessidade. Em especial, os bancos regionais de desenvolvimento estão proporcionando apoio a empresas do setor privado para garantir o financiamento comercial e o acesso contínuo a suprimentos médicos. Entre os exemplos de assistência bilateral figuram a Albânia, que enviou uma equipe de médicos para a Itália, e o Vietnã, que doou suprimentos médicos a países vizinhos e a economias avançadas.
As EMED têm sido duramente afetadas pelo choque da COVID-19 e pela reação que ele desencadeou nos mercados. A análise da ferramenta Policy Tracker do FMI mostra uma reação extraordinária da política econômica, impulsionada pela inovação e pela cooperação internacional. Nessa situação inédita e em rápida evolução, os países podem aprender com seus pares, e o FMI está empenhado em compilar e compartilhar as melhores práticas e incorporar esses dados em suas análises para continuar a prestar assistência aos países membros.
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Martin Mühleisen é Diretor do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação (SPR) do FMI. Nessa função, lidera o trabalho sobre o direcionamento estratégico do FMI e a formulação, implementação e avaliação das políticas da instituição. Além disso, supervisiona as interações do FMI com organismos internacionais, como o G‑20 e a ONU.
Vladimir Klyuev é Subchefe da Divisão de Políticas Macroeconômicas do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Em sua carreira no FMI, trabalhou com várias economias avançadas, mercados emergentes e países de baixa renda. Também trabalhou durante vários anos no Departamento de Estudos do FMI, onde se dedicou a questões multilaterais. É autor de numerosos artigos e estudos teóricos e empíricos sobre temas variados como regimes cambiais, poupança das famílias e regimes de metas de inflação. Doutorou-se em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard.
Sarah Sanya é economista do Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI. Em sua posição atual, contribui para a elaboração de políticas macroeconômicas e análise de sua implementação nos países membros do FMI. Ao longo de sua carreira no FMI, trabalhou com um conjunto diverso de países. Suas publicações e estudos tratam da recuperação após crises, políticas macrofinanceiras e riscos sistêmicos. De 2017 a 2019, trabalhou no Banco Mundial como economista encarregada do Quênia. Possui mestrado e doutorado pela Universidade de Southampton, no Reino Unido.