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Políticas fiscais para uma crise sem precedentes

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A crise da COVID-19 destruiu vidas, empregos e negócios. Os governos tomaram medidas enérgicas para amortecer o golpe, totalizando US$ 12 trilhões em todo o mundo, uma soma extraordinária. Esse apoio vital salvou vidas e meios de subsistência. O custo, no entanto, foi alto, e combinado à queda acentuada das receitas tributárias devido à recessão, esse apoio fez a dívida pública mundial atingir seu mais alto patamar de todos os tempos, próximo de 100% do PIB.

Devido à pandemia, muitos trabalhadores ainda estão desempregados, as pequenas empresas estão em dificuldade e 80‑90 milhões de pessoas correm o risco de cair na pobreza extrema em 2020, mesmo após a assistência social adicional; portanto, ainda é muito cedo para que os governos retirem o apoio excepcional. Contudo, muitos países terão de fazer mais com menos recursos, dadas as restrições orçamentárias cada vez mais rígidas .

O Monitor Fiscal de outubro de 2020 examina as experiências dos países na gestão da crise e discute o que os governos podem fazer nas diferentes fases da pandemia para salvar vidas, reduzir o impacto da recessão e restaurar o crescimento e a criação de empregos.

Políticas durante a fase de confinamento

Desde o início da crise da COVID-19, os governos têm procurado fazer todo o possível para limitar suas consequências. O enorme apoio fiscal proporcionado desde o princípio da crise cumpriu seu objetivo de proteger pessoas e preservar empregos.

As medidas de saúde pública para conter a propagação do vírus – como testagem em grande escala, rastreamento de contatos e campanhas de informação ao público – ajudaram a recuperar a confiança e criaram as condições para a reabertura segura dos negócios.

Os seguros-desemprego e os subsídios salariais (oferecidos na maioria das economias europeias) ajudaram a preservar os postos de trabalho e os padrões de vida. As transferências de renda têm sido especialmente úteis para apoiar a população pobre e os trabalhadores informais, bem como os trabalhadores autônomos que perderam seus empregos. O apoio à liquidez das empresas evitou uma onda de inadimplências e demissões em massa. Isso é especialmente importante no caso das pequenas e médias empresas, que são responsáveis por uma grande parcela dos postos de trabalho.

Embora em escala mundial a resposta fiscal à crise tenha sido sem precedentes, a resposta de cada país foi determinada pelo seu grau de acesso a empréstimos, bem como pelo nível da dívida pública e privada no início da crise.

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Nas economias avançadas e em algumas economias de mercados emergentes, a compra de títulos da dívida pública pelos bancos centrais ajudou a manter as taxas de juros em níveis historicamente baixos e deu respaldo ao endividamento público. Nessas economias, a resposta fiscal à crise foi enorme.

Contudo, em muitas economias de mercados emergentes e países de baixa renda com altos níveis de endividamento, os governos tiveram pouca margem para aumentar a tomada de empréstimos, o que dificultou sua capacidade de ampliar o apoio aos mais afetados pela crise. Esses governos têm escolhas difíceis diante de si.

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Um roteiro fiscal para a recuperação

À medida que as economias dão os primeiros passos para a reabertura, em meio a incertezas sobre o curso da pandemia, os governos devem assegurar que o apoio fiscal não seja retirado muito rapidamente. Devem, porém, ser mais seletivos e evitar obstruir a realocação necessária entre os setores conforme as atividades forem retomadas. O apoio das políticas públicas deve ser progressivamente redirecionado da proteção aos antigos empregos para a volta ao trabalho – por exemplo, ao reduzir os programas de retenção de emprego (subsídios salariais), reintroduzir os requisitos de procura de emprego e requalificar os trabalhadores – e para o auxílio às empresas viáveis, mas ainda vulneráveis, para garantir uma reabertura segura. Com baixas taxas de juros e alto desemprego, o aumento do investimento público – começando com as obras de manutenção e a ampliação de projetos – pode criar empregos e estimular o crescimento econômico.

As economias de mercados emergentes e os países de baixa renda que enfrentem condições financeiras bastante restritivas terão que fazer mais com menos recursos, repriorizando os gastos e tornando-os mais efetivos. Alguns deles talvez precisem de mais apoio financeiro oficial e alívio da dívida.

Os governos devem também adotar medidas para melhorar o cumprimento das obrigações tributárias e considerar impostos mais altos para os grupos mais ricos e empresas altamente lucrativas. As receitas daí decorrentes ajudariam a custear serviços essenciais, como saúde e redes de proteção social, durante essa crise que vem prejudicando desproporcionalmente os segmentos mais pobres da sociedade.

Quando a pandemia estiver sob controle, os governos terão de promover a recuperação ao mesmo tempo em que lidam com o legado da crise, como um grande déficit fiscal e altos níveis de dívida pública.

A reativação pós-pandemia

No futuro próximo, os países devem dar prioridade ao investimento em sistemas de saúde e educação. Devem também reforçar as redes de proteção social para garantir que todas as pessoas tenham acesso a alimentos e outros bens e serviços básicos.

Conforme as economias começam a se recuperar, os governos devem aproveitar este momento para se afastar do modelo de crescimento vigente antes da crise e acelerar a transição para uma economia digital e de baixo carbono. A precificação do carbono deve ser uma característica crucial dessa transição, pois incentiva a redução do consumo de energia e a adoção de alternativas mais limpas; além disso, gera mais receitas que podem ser alocadas, em parte, para apoiar os mais vulneráveis.

Ao fortalecerem o investimento público e outras medidas fiscais a fim de promover a recuperação, as escolhas dos governos em relação às políticas terão efeitos duradouros. Eles devem dar um impulso decisivo para tornar as economias mais inclusivas e resilientes e para conter o aquecimento global, por meio de medidas verdes que também estimulem o crescimento e o emprego.

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Vítor Gaspar , cidadão português, é Diretor do Departamento de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional. Antes de ingressar no FMI, ocupou vários cargos superiores na área de políticas do Banco de Portugal, inclusive, mais recentemente, o de Conselheiro Especial. Foi Ministro de Estado e das Finanças de Portugal de 2011 a 2013. Chefiou o Gabinete de Conselheiros de Política Econômica da Comissão Europeia de 2007 a 2010 e atuou como Diretor-Geral de Estudos Econômicos no Banco Central Europeu de 1998 a 2004. Doutorou-se e agregou-se em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tendo também estudado na Universidade Católica Portuguesa.

Paulo Medas é Subchefe de Divisão no Departamento de Finanças Públicas do FMI, tendo trabalhado anteriormente nos departamentos da Europa e do Hemisfério Ocidental. Foi Representante Residente do FMI no Brasil de 2008 a 2011 e liderou missões de capacitação a vários países. Suas principais áreas de estudo são governança e corrupção, crises fiscais e gestão de recursos naturais. É um dos coautores do livro Brazil: Boom, Bust, and Road to Recovery, publicado em 2019.

John Raylea é Economista Sênior no Departamento de Finanças Públicas do FMI, tendo trabalhado também no Departamento Financeiro e no Departamento da Europa, onde participou das equipes encarregadas da Eslováquia, Eslovênia, Espanha e Romênia. Desenvolveu estudos relacionados aos riscos fiscais, abrangendo empresas públicas, a previdência pública e as regras fiscais. Antes de ingressar no FMI, trabalhou para o Departamento do Tesouro dos EUA. Tem um mestrado pela Johns Hopkins School of Advanced International Studies. Em outra etapa de sua vida profissional, foi Contador Público Certificado (CPA).

Elif Ture , da Turquia, é economista no Departamento de Finanças Públicas do FMI, onde analisa questões fiscais europeias na equipe da área do euro e contribui para o Monitor Fiscal. No FAD, já trabalhou com riscos fiscais de passivos contingentes, regras fiscais, federalismo fiscal e governança fiscal na Europa. Anteriormente, foi economista no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, concentrando-se em análises e políticas relacionadas à sustentação do crescimento forte e inclusivo nas economias do Cone Sul. Suas principais áreas de estudo são as imperfeições do setor financeiro e as ligações macrofinanceiras. É doutora em Economia pela Universidade de Maryland em College Park.