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América Latina enfrenta um terceiro choque com o aperto das condições financeiras mundiais

O impulso no crescimento continua, mas a escassez de financiamento e seu custo mais elevado irão desacelerar as economias da região em meio à persistência da inflação elevada. As políticas prioritárias são a restauração da estabilidade de preços e a manutenção da sustentabilidade fiscal, sem perder de vista a proteção dos grupos vulneráveis.

Santiago Acosta Ormaechea, Gustavo Adler, Ilan Goldfajn e Anna Ivanova

Ainda às voltas com os efeitos dos dois choques anteriores – a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia –, os países latino-americanos enfrentam um terceiro choque: o aperto das condições financeiras mundiais.

O atual impulso no crescimento é positivo, em função do retorno da atividade nos setores de serviços e do emprego aos níveis pré-pandemia, e das condições externas favoráveis: preços das commodities em alta, vitalidade da demanda externa e das remessas internacionais e recuperação do turismo. Essa dinâmica motivou várias revisões do crescimento para cima este ano.

Contudo, o financiamento está ficando mais escasso e oneroso em meio à elevação das taxas de juros pelos maiores bancos centrais para reduzir a inflação. Os fluxos de capital para os mercados emergentes estão diminuindo e os custos dos empréstimos externos estão aumentando. As taxas de juros internas dos mercados emergentes também estão subindo, não apenas porque seus bancos centrais também estão elevando as taxas para combater a inflação, mas também devido à redução do apetite dos investidores por ativos de risco.

Para a América Latina, esses fatores resultam na desaceleração da atividade conforme a escalada dos custos dos empréstimos pesa sobre o crédito interno, o consumo privado e o investimento.

No início deste ano, o aumento dos preços das commodities e o sólido impulso de crescimento ajudaram a compensar os efeitos do aperto nas condições financeiras globais, já que os investidores foram atraídos por uma região que abriga grandes exportadores de commodities em meio às necessidades globais de fornecimento de alimentos e energia. Mas a alta das taxas de juros está empurrando os preços das commodities para baixo diante da desaceleração da economia global, reduzindo assim seu efeito de amortecimento. A desaceleração também pode reduzir as exportações, as remessas internacionais e o turismo para a região.

A incerteza em relação às taxas de juros globais e à possibilidade de restauração do controle sobre a inflação sem sobressaltos – o chamado “pouso suave” – significa que também são possíveis picos de volatilidade e aversão ao risco por parte dos investidores. Em outras palavras: a transição para taxas de juros globais mais altas pode ser instável.

Crescimento sólido, porém com desaceleração

Em meio a surpresas positivas na atividade, elevamos nossa projeção de crescimento para a América Latina e o Caribe este ano de 3% em julho para 3,5%.

No entanto, com os ventos contra, a desaceleração do crescimento no próximo ano deve ser mais rápida do que projetamos em julho, baixando para 1,7%.

É provável que os exportadores de commodities – países da América do Sul, México e algumas economias do Caribe – registrem uma redução de suas taxas de crescimento pela metade no próximo ano, tendo em vista que o recuo dos preços das commodities intensifica o impacto do aumento das taxas de juros.

As economias da América Central, Panamá e República Dominicana também sofrerão desaceleração com o enfraquecimento do comércio com os Estados Unidos e dos recebimentos de remessas, embora se beneficiem da queda nos preços das commodities. As economias caribenhas dependentes do turismo manterão a trajetória de recuperação, ainda que de forma mais lenta do que o antecipado em julho em meio ao enfraquecimento das perspectivas para o turismo.

Combate à inflação persistente

Apesar da desaceleração do crescimento, a América Latina continuará enfrentando inflação alta por algum tempo.

A pronta resposta dos principais bancos centrais da região, que se anteciparam a outras economias de mercados emergentes e avançadas ao elevar as taxas de juros, ajudará a reduzir a inflação, mas isso levará tempo, pois a política monetária precisa conter a demanda doméstica para exercer pressão para baixar os preços.

Além disso, as pressões sobre preços se ampliaram recentemente, afetando itens das cestas de consumo além de alimentos e energia. É o caso de Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, onde há pouco tempo a inflação atingiu uma alta de 10%, recorde em duas décadas, e está testando a credibilidade conquistada a duras penas dos arcabouços de metas de inflação.

Assim, elevamos nossas projeções para a inflação. Os aumentos de preços nesses cinco países atingirão cerca de 7,8% até o final do ano e permanecerão elevados em cerca de 4,9% – ainda acima dos intervalos de tolerância dos bancos centrais na maioria dos casos – até o final do próximo ano.

Bancos saudáveis, riscos de dívida

A alta das taxas de juros globais também será um teste da resiliência dos balanços públicos e privados. Os sistemas bancários geralmente saudáveis da região atenuam o risco de instabilidades financeiras, e a regulamentação e a supervisão melhoraram em muitos países.

Mas persistem bolsões de vulnerabilidade. Por exemplo, a dívida das empresas deu um salto na última década, sobretudo fora do sistema bancário. O acompanhamento dessas vulnerabilidades será fundamental para identificar possíveis fontes de instabilidade e tomar medidas antecipadas.

Ainda que os níveis elevados de reservas internacionais da região e a sólida credibilidade do bancos centrais ajudem a suavizar o impacto do arrocho nas condições financeiras, o aumento dos custos dos empréstimos testará as finanças públicas por meio da alta dos pagamentos de juros, uma vez que a dívida pública e as necessidades de financiamento permanecem elevadas.

Um ato de equilíbrio

Os bancos centrais da região foram ágeis e mantiveram ancoradas as expectativas de inflação de longo prazo.

Daqui em diante, a política monetária deve manter essa trajetória e não relaxar de forma prematura. Definir a política monetária em meio à incerteza elevada é um desafio, mas ter de restaurar a estabilidade de preços mais adiante, se a inflação se tornar arraigada, seria muito oneroso.

A política fiscal deve focar em reconstruir o espaço de política, onde necessário. Isso exigirá o controle dos gastos públicos, a melhoria da concepção dos sistemas tributários e o fortalecimento das estruturas fiscais para assegurar uma disciplina fiscal duradoura.

Entretanto, em meio a graves necessidades sociais na região, as políticas para reduzir a dívida e os déficits só poderão ser eficazes e sustentáveis se forem inclusivas, isto é, se protegerem as populações carentes.

Mesmo quando houver espaço fiscal, a política fiscal também deve complementar a política monetária no combate a inflação, evitando estimular a demanda doméstica, mas prestando assistência aos grupos mais vulneráveis. Tudo isso exigirá uma cuidadosa calibragem na política fiscal para compensar os gastos maiores para proteger as populações carentes.

Acertar esse ato de equilíbrio é fundamental para alcançar um crescimento inclusivo e sustentável, e essa é a melhor forma de desenvolver resiliência a choques futuros.

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Gustavo Adler é Chefe de Divisão no Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Ingressou no FMI em 2004 e, desde então, atuou em diversas áreas, como supervisão e programas em diversas equipes de países (Chile, Indonésia, Romênia, Uruguai, Turquia), elaboração de linhas de crédito do FMI, revisão de programas do FMI e trabalho analítico para a publicação Perspectivas Econômicas Regionais: As Américas. Nos últimos anos, codirigiu a produção do relatório sobre o setor externo (External Sector Report) que trata dos desequilíbrios mundiais, tendo conduzido estudos e análises de políticas sobre intervenção cambial, taxas de câmbio e choques nas relações de troca. Foi também chefe da missão para o Uruguai. Desde junho de 2022, lidera a Divisão de Estudos Regionais do Departamento do Hemisfério Ocidental.

Santiago Acosta-Ormaechea é Economista Sênior do Departamento do Hemisfério Ocidental (WHD) do FMI. Antes de ingressar no WHD, trabalhou no Instituto para o Desenvolvimento das Capacidades e no Departamento de Finanças Públicas do FMI. Sua pesquisa se concentra em questões de dívida soberana, políticas fiscais e de despesas e na transmissão da política monetária em mercados emergentes. Sua pesquisa já foi publicada em periódicos acadêmicos, livros e na série de Documentos de Trabalho do FMI. É cidadão argentino, fez seus estudos de graduação e pós-graduação na Universidade de Buenos Aires e é mestre e doutor em economia pela Universidade de Warwick.

Ilan Goldfajn foi Presidente do Banco Central do Brasil (BCB) de maio de 2016 até fevereiro de 2019. Durante seu mandato no BCB, supervisionou a implementação de mudanças regulatórias importantes que abriram as portas para novos participantes no setor de serviços financeiros e estimularam a inovação, com um impacto positivo sobre o setor financeiro no Brasil. Em 2017, foi eleito Banqueiro Central do Ano pela revista The Banker e, no ano seguinte, foi nomeado Melhor Banqueiro Central pela revista Global Finance.

A experiência de Ilan Goldfajn no setor privado abrange a atuação como presidente do Conselho do Credit Suisse Brasil, economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, sócio fundador da Ciano Investimentos e sócio e economista da Gávea Investimentos – três instituições financeiras altamente conceituadas no Brasil. Foi também diretor dos think tanks Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e Casa das Garças. Mais recentemente, presidiu o Conselho Consultivo do Credit Suisse Brasil. Trabalhou também como consultor para uma série de organismos financeiros internacionais, como o Banco Mundial, a ONU e o FMI.

Ilan Goldfajn lecionou economia em várias universidades no Brasil e nos Estados Unidos, organizou a edição de diversas publicações e é autor de numerosos artigos e livros. É doutor em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Anna Ivanova é Subchefe da Divisão de Estudos Regionais do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI. Anteriormente, foi chefe de missão para o Equador, tendo também sido economista sênior do Grupo de Análise das Perspectivas de Crescimento do Banco Mundial, liderando missões para a Guatemala e trabalhando com outros países, como Costa Rica, Alemanha, Holanda, Iêmen e Egito. Seus estudos abordam temas como políticas fiscal e do setor financeiro, inclusão e desenvolvimento financeiros, o papel das instituições financeiras internacionais e crescimento. Antes de sua carreira como economista, trabalhou como física no Instituto para Problemas Nucleares da Bielorrússia. Doutorou-se em economia pela Universidade de Wisconsin-Madison, com mestrados em Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Vanderbilt, e em Física Nuclear, pela Universidade Estatal da Bielorrússia.

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