Brasil: Declaração Final do Corpo Técnico Sobre a Missão de Consulta de 2019 nos Termos do Artigo IV

24 de maio de 2019

A declaração final descreve as conclusões preliminares do corpo técnico do FMI ao término de uma visita oficial (ou ‘missão’). Esta missão foi realizada como parte de consultas regulares (em geral anuais) nos termos do Artigo IV do Convênio Constitutivo do FMI.

As autoridades consentiram com a publicação desta declaração. As opiniões aqui expressas são as do corpo técnico do FMI e não representam necessariamente as opiniões da Diretoria Executiva da instituição. Com base nas conclusões preliminares desta missão, o corpo técnico elaborará um relatório que, após aprovado pela Direção, será submetido à apreciação e decisão da Diretoria Executiva do FMI.

A economia brasileira mostra uma recuperação lenta, condicionada pela fraca demanda agregada e baixa produtividade. Uma robusta reforma da previdência e medidas fiscais adicionais são necessárias para assegurar a sustentabilidade da dívida pública e, desse modo, estimular a confiança dos investidores. A missão apoia a ambiciosa agenda de reformas do governo, a qual inclui reforma da previdência, privatização, abertura com e rcial, reforma tributária e redução da intervenção pública no mercado de crédito. Tais reformas são essenciais para impulsionar crescimento de longo prazo. A política monetária encontra-se devidamente estimulativa no momento.

1. A recuperação econômica permanece fraca. Após queda de quase 7 por cento durante a recessão de 2015-16, o PIB real cresceu apenas 1,1 por cento por ano em 2017 e 2018. Indicadores de alta frequência mostram que a atividade econômica persiste em ritmo fraco no primeiro trimestre deste ano. O investimento continua reprimido, sendo contido pela capacidade ociosa elevada e prolongada incerteza quanto às perspectivas para as reformas fiscais e estruturais. O fraco crescimento mundial e a recessão na Argentina estão prejudicando as exportações. Projeta-se um crescimento econômico em 2019 entre 1 e 1,5 por cento, com substancial risco de deterioração. Se uma reforma robusta da previdência for aprovada e as condições financeiras permanecerem favoráveis, estima-se que o crescimento do PIB acelere em 2020, sendo impulsionado pela recuperação do investimento privado.

2. A política fiscal foi aproximadamente neutra para a atividade econômica em 2018. Em 2018, o resultado primário do setor público não-financeiro melhorou ligeiramente, para -1,7 por cento do PIB, enquanto o resultado estrutural foi neutro. O orçamento de 2019 poderá vir a trazer um leve relaxamento da posição fiscal. Nos anos seguintes, o cumprimento do teto de gastos públicos depende da aprovação da reforma da previdência, bem como de outras medidas de consolidação fiscal.

3. A política monetária está acomodatícia. O banco central tem mantido a taxa básica de juros no nível mínimo histórico de 6,5 por cento desde março de 2018, fornecendo certo estímulo monetário à economia. O índice de inflação IPCA está próximo da meta de 4,25 por cento para 2019, ao passo que medidas subjacentes de inflação estão em patamares mais baixos. As expectativas de inflação estão ancoradas em torno da meta.

4. O crédito bancário tem mostrado um fraco crescimento. Por um lado, o volume de empréstimos concedidos pelos bancos públicos sofreu contração ao longo dos últimos anos, em razão, principalmente, da redução na capitalização do BNDES. Por outro lado, o crédito concedido por bancos privados mostrou crescimento real de cerca de 8 por cento, levando a aumento moderado do crédito bancário total. A redução do papel dos bancos públicos em favor de uma alocação de crédito feita pelo mercado é uma transformação estrutural bem-vinda. No entanto, as margens de intermediação bancária permanecem elevadas e são um entrave à demanda de crédito e ao investimento. O sistema financeiro está bem capitalizado.

5. O Brasil detém uma posição externa robusta. O déficit de conta corrente aumentou para 0,8 por cento do PIB em 2018, e projeta-se que se deteriore para 1,5 por cento do PIB em 2019, sobretudo devido a operações não-recorrentes no setor da energia e à recessão na Argentina. No entanto, a posição externa do Brasil é sólida graças ao elevado volume de reservas internacionais, à taxa de câmbio flutuante e ao modesto déficit em conta corrente, que é plenamente financiado por grandes fluxos de investimento direto estrangeiro.

6. Nos últimos anos, não houve melhoria nas condições sociais. A taxa de desemprego caiu apenas marginalmente em 2018, permanecendo elevada com relação aos níveis anteriores à crise, em paralelo com o trabalho informal e o subemprego. A despeito da recuperação econômica, a desigualdade de renda e o número de pessoas abaixo da linha de pobreza aumentou em 2017.

7. Choques internos ou externos podem comprometer a recuperação econômica. O maior risco doméstico é a não aprovação de uma reforma robusta do sistema de previdência. Adicionalmente, são necessárias outras medidas para garantir o cumprimento do teto de gastos e colocar a dívida pública em uma trajetória sustentável. O fracasso em produzir uma consolidação fiscal pode debilitar a confiança e dissuadir decisões de investimento. Entre os riscos externos estão uma piora da recessão na Argentina e tensões comerciais globais.

São necessárias medidas econômicas firmes

8. Crescimento historicamente baixo, dívida pública alta, e notória desigualdade social requerem uma forte agenda de reformas. Desde 1980, o crescimento econômico no Brasil foi em média 2,5 por cento, consideravelmente abaixo dos seus pares. A dívida pública brasileira alcançou 88 por cento do PIB e é uma das mais elevadas entre as economias emergentes. Ademais, a dívida continua a crescer e estima-se que atinja o seu pico apenas em 2024, condicionada à continuidade das medidas de consolidação fiscal. Apesar das expressivas melhorias dos últimos anos, a desigualdade e a pobreza têm aumentado desde a recessão de 2015/16 e permanecem altas com relação a padrões internacionais. Para enfrentar estes desafios, o novo governo tem corretamente enfatizado o papel de reformas estruturais, com os objetivos de aumentar o crescimento potencial e promover uma consolidação fiscal, ao passo que a sua proposta de reforma da previdência contribuiria para reduzir desigualdades.

Consolidação fiscal

9. A reforma da previdência é um passo crucial. A ambiciosa proposta de reforma da previdência, em trâmite no Congresso Nacional, estabiliza os gastos previdenciários em relação ao PIB ao longo da próxima década e torna o sistema previdenciário mais justo. Para garantir o esforço fiscal que é necessário, o Congresso deve preservar as propostas de aumento das idades mínimas de aposentadoria e de redução dos benefícios relativamente mais altos, em particular para os servidores públicos.

10. Medidas adicionais, contudo, são necessárias para garantir o cumprimento do teto de gastos e estabilizar a dívida pública. O governo deve manter uma posição fiscal estrutural neutra em 2019. Além disso, para cumprir o teto constitucional de gastos no médio prazo, o governo deve buscar uma redução na folha de pagamentos do setor público (contribuindo para uma maior equiparação de rendimentos com relação ao setor privado) e reduzir outras despesas correntes, por exemplo contendo aumentos do salário mínimo acima de ajustes no custo de vida, uma vez que afetam o crescimento das aposentadorias e pensões e de outros benefícios. Dado o elevado nível de endividamento, receitas extraordinárias do setor de petróleo—incluindo ganhos com a próxima cessão onerosa— devem ser utilizados exclusivamente para reduzir dívida. No esforço de buscar uma consolidação fiscal, é crucial proteger programas sociais de alta eficácia, como o Bolsa Família, e dar suporte ao investimento público; ambos essenciais para assegurar um crescimento sustentável e inclusivo.

11. O sistema tributário, excessivamente complexo e distorcivo, deveria ser reformulado. Uma reforma tributária ambiciosa é necessária para eliminar a multiplicidade de tributos indiretos, mudando para uma imposto sobre o valor agregado (IVA) único e de base ampla, harmonizando os regimes tributários fragmentados dos governos federal e estaduais e eliminando isenções fiscais ineficientes e custosas. Esforços para fortalecer a administração das receitas devem continuar.

12. O arcabouço fiscal deve ser aperfeiçoado. Para garantir um ajuste fiscal de qualidade, as autoridades devem rever as várias fontes de rigidez orçamentária, incluindo vinculações de receita, despesas obrigatórias e indexação de alguns gastos importantes. Adicionalmente, para facilitar o ajuste prolongado que decorre do teto de gastos, o governo deve buscar a adoção de um arcabouço fiscal de médio prazo.

13. Os riscos fiscais são elevados em alguns estados. Governadores de sete estados declararam enfrentar calamidade financeira, com desafios fiscais severos. Desses, o Rio de Janeiro já aderiu ao regime de recuperação fiscal com o governo federal. Outros estados poderão também receber alívio financeiro temporário se implementarem medidas de consolidação fiscal, no âmbito de um programa em consideração pelas autoridades. No entanto, medidas estruturais profundas, incluindo reformas de previdência e do sistema tributário, são essenciais para restaurar a sustentabilidade dos governos subnacionais no médio prazo.

Política monetária

14. A política monetária deve permanecer acomodatícia, dados o elevado hiato do produto e expectativas de inflação bem ancoradas. A política monetária é, no presente, adequadamente estimulativa. No futuro, à medida em que a consolidação fiscal produza efeitos contracionistas sobre a demanda agregada, há espaço para uma política monetária mais acomodatícia, desde que as expectativas de inflação continuem bem ancoradas. A lei recentemente sancionada alterando o relacionamento entre o Tesouro e o Banco Central é um avanço positivo, fortalecendo o arranjo institucional. A aprovação do projeto de lei de independência de jure do Banco Central levaria a um aperfeiçoamento do sistema de metas de inflação.

15. A taxa de câmbio flutuante continua sendo um instrumento importante para absorver choques. Intervenções nos mercados de câmbio devem se restringir ao objetivo de evitar excessiva volatilidade. As reservas internacionais continuam atuando com um importante colchão contra choques externos e devem ser preservadas.

16. Novas medidas deveriam ser tomadas para fortalecer a supervisão bancária. Foram feitos progressos no sentido de implementar várias das recomendações do relatório do Programa de Avaliação do Sistema Financeiro (FSAP, em inglês) de 2018. Não obstante, as autoridades devem continuar esforços para aprimorar os arcabouços prudenciais e macroprudenciais, de gestão de crises e de rede de proteção. O regime de regulamentação e supervisão ao risco de crédito deve ser atualizado no que tange a exposições a partes relacionadas, risco-país e de transferências e empréstimos reestruturados. Um novo regime de resolução financeira, em linha com as recomendações do FSAP, deveria ser prontamente implementado. O Fundo Garantidor de Créditos deveria ser integrado no setor público e o processo de concessão de assistência de liquidez emergencial deve ser mais rigoroso. Esforços para instaurar um comitê de várias agências com o mandato explícito para condução de política macroprudencial e gestão de crises deveriam ser finalizados.

Reformas Estruturais

17. Reformas estruturais são necessárias para aumentar a produtividade. O governo acertadamente identificou como prioridade a redução do papel do estado na economia, buscando realizar privatizações, reduzir a intervenção nos mercados de crédito, diminuir as barreiras comerciais, combater a corrupção e simplificar o sistema tributário.

18. O governo está trabalhando num ambicioso programa de privatizações. Tal programa pode contribuir com receitas não-recorrentes, contudo, o principal benefício será o aumento de produtividade em vários setores-chave da economia, incluindo infraestrutura e energia. Empresas privatizadas poderiam também aumentar investimento sem recorrer às limitadas fontes de recursos públicos.

19. Reformas são necessárias para aperfeiçoar a eficiência da intermediação bancária. Empresas e consumidores enfrentam taxas de empréstimos particularmente elevadas devido aos custos incorridos pelos bancos com expressivas perdas de inadimplência, custos operacionais altos e baixa competição no setor. A proposta de uma nova lei de falências reduziria o custo da inadimplência para os bancos. Os esforços em curso para reduzir o papel dos bancos públicos e o tamanho do crédito direcionado devem continuar. Adicionalmente, outras ações são necessárias para facilitar a portabilidade de clientes e a transparência sobre os custos dos produtos financeiros. A aprovação recente da lei do cadastro positivo é um passo na direção certa.

20. A abertura comercial é essencial para aumentar a competividade. A economia brasileira continua sendo uma das mais fechadas para o comércio mundial. Após alguma abertura no início da década de 1990, as tarifas comerciais não foram significantemente alteradas, e as barreiras não tarifárias permaneceram elevadas. Neste contexto, os planos para redução de barreiras à importação são bem-vindos. A potencial adesão à OCDE é uma oportunidade para ampliar a integração comercial. Todavia, independentemente do resultado dessa iniciativa, a abertura comercial deveria continuar sendo buscada.

21. A implementação de medidas efetivas para combater a lavagem de dinheiro e a corrupção continua sendo extremamente importante. As autoridades continuam investigando casos relevantes de lavagem de dinheiro e corrupção, e o governo tem apresentado propostas para melhorar o arcabouço legal. Encoraja-se o governo a continuar focando medidas preventivas, bem como a aplicação e melhorias legislativas de longo prazo. Adicionalmente, as autoridades deverim acelerar a conclusão da avaliação nacional de riscos de lavagem de dinheiro.

A missão agradece às autoridades e aos demais envolvidos pelas excelentes discussões.

Departamento de Comunicação do FMI
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