Grécia: Grandes avanços, mas são necessárias medidas para abordar os legados da crise e estimular o crescimento inclusivo
8 de agosto de 2018
A Grécia conseguiu eliminar com êxito os seus défices orçamentais e de conta corrente extremamente elevados e relançar o crescimento. Agora precisa tomar medidas para abordar os legados da crise e estimular o crescimento inclusivo, afirma o FMI no seu exame anual da saúde da economia do país.
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Aproveitando a publicação do relatório anual do FMI sobre a situação da economia grega, Países em Destaque conversou com Peter Dohlman, o chefe de missão no país, para falar sobre as conclusões do relatório, as principais recomendações que poderão ajudar a melhorar as perspetivas de crescimento e os padrões de vida do país e o futuro da relação do FMI com a Grécia.
1) A Grécia chegou ao fim do seu programa com o FMI. O que o país conseguiu alcançar durante este período?
Antes de responder, quero expressar as minhas sinceras condolências pelo trágico incêndio que atingiu a região grega da Ática.
Voltando à pergunta, a Grécia pode citar muitos êxitos. Eliminou os seus défices orçamentais extremamente elevados (passando de um défice de 15% do PIB em 2009 para um excedente ligeiramente acima de 1% em 2017) e conseguiu colocar as suas transações externas, a sua conta corrente, numa situação próxima do equilíbrio. Para tal, foi necessário tomar algumas decisões difíceis, inclusivamente as reformas fiscais e do regime de pensões, e promover melhorias na administração pública, como uma administração tributária mais independente.
Ao mesmo tempo, a Grécia criou redes de segurança social mais eficazes, como o Rendimento de Solidariedade Social. O país também tornou os seus mercados laborais mais flexíveis e os salários mais competitivos.
Nos mercados de produtos e serviços, muitos setores foram liberalizados em linha com as recomendações da OCDE, o quadro de licenciamento de investimentos ficou mais favorável às empresas e foram removidas as barreiras à concorrência em várias profissões de acesso restrito.
Mais recentemente, a Grécia instituiu um importante conjunto de ferramentas jurídicas para ajudar a resolver o crédito malparado, um ponto essencial para que os bancos recuperem a sua saúde financeira. Estes esforços, em conjunto com a melhoria das condições externas e outros fatores, restauraram o crescimento, e prevemos uma aceleração do crescimento económico e da geração de empregos no médio prazo. O governo também reingressou nos mercados de capitais, apesar de até agora se ter restringido às operações de gestão de passivos.
2) O Acordo Stand-By do FMI, aprovado em princípio, não chegou a ser ativado. Significa isto que a Grécia não fez reformas suficientes?
O acordo de apoio ao programa de ajustamento económico das autoridades foi aprovado em princípio e era para entrar em vigor assim que o FMI recebesse garantias específicas e credíveis dos parceiros europeus da Grécia para assegurar a sustentabilidade da dívida e desde que o programa económico continuasse a ser cumprido.
Embora não se tenham obtido garantias suficientes de alívio da dívida atempadamente, o acordo ajudou a dar a confiança necessária aos credores para efetuar os desembolsos à Grécia e concluir a segunda avaliação do programa ESM em julho de 2017.
Também proporcionou um quadro válido de articulação estreita com a Grécia e as instituições europeias sobre políticas, com mais tração.
3) Após a recuperação duramente conquistada, agora o país está a salvo?
Apesar de muito se ter conseguido, a Grécia enfrenta legados da crise significativos. Os principais exemplos são os níveis extremamente elevados de dívida pública, de créditos malparados e de desemprego e as altas taxas de pobreza.
A Grécia tem de abordar estes legados, sem deixar de alcançar um crescimento sustentável mais elevado e de permanecer competitiva na área do euro. No nosso relatório do corpo técnico, recomendamos o reequilíbrio da política orçamental de modo a melhorar o apoio ao crescimento e a fortalecer as redes de segurança social; o reforço mais assertivo dos balanços dos bancos para a retomada do crédito; e a adoção de medidas adicionais de fomento à produtividade e de melhoria da governação. A Grécia terá de continuar a proteger as despesas sociais e de investimento e a trabalhar dentro das metas de excedentes elevados acordadas entre o país e as instituições europeias.
4) Qual será o envolvimento do FMI daqui em diante?
Como no caso de todos os países membros do FMI, continuaremos a realizar o nosso exame anual da saúde da economia do país, ou seja, a Consulta ao abrigo do Artigo IV, que implica um amplo debate com as autoridades gregas acerca do leque completo de políticas económicas. O FMI também realiza uma monitorização pós-programa de países que encerraram o seu programa com um saldo elevado de reembolsos ao Fundo e, portanto, as nossas interações com as autoridades serão mais frequentes do que o ciclo anual nos termos do Artigo IV.
Neste contexto, serão enviados à Diretoria Executiva relatórios bianuais, por via do processo de consultas ao abrigo do Artigo IV e de monitorização pós-programa, seguidos da publicação das nossas constatações. Estas atividades serão desenvolvidas em conjunto com as instituições europeias.
Uma parte substancial das nossas interações com a Grécia nos últimos anos ocorreu na forma de assistência técnica e, a pedido das autoridades, esperamos manter este envolvimento em áreas específicas, como a administração tributária e a gestão das finanças públicas.
5) A dívida da Grécia ainda é muito elevada. O alívio da dívida por parte dos seus parceiros europeus será suficiente?
O alívio da dívida recentemente acordado com os parceiros europeus, conjugado com uma ampla margem de reserva de caixa e o facto da maior parte da dívida pública do país ser dívida do setor oficial, a taxas de juro baixas, reforça bastante as perspetivas da Grécia de manter o acesso ao mercado no médio prazo.
Contudo, à medida que a dívida do setor oficial vai vencendo e é substituída por dívida de mercado mais onerosa, a Grécia passará a enfrentar desafios crescentes para pagar o serviço da sua dívida. O país precisa de, em simultâneo, alcançar um crescimento elevado do PIB e obter grandes excedentes primários durante muitos anos para manter a sua dívida pública numa trajetória descendente.
O compromisso dos parceiros europeus de alargar o alívio da dívida se for preciso, após uma avaliação em 2032, é uma rede de segurança importante a este respeito.
6) Os cortes radicais das pensões que o governo aplicou como parte do seu programa financeiro foram alvo de muita discussão. Porque é que eles são necessários?
As medidas já previstas para entrar em vigor em 2019 representam mais um passo crucial no sentido do crescimento inclusivo. Elas não mudarão o nível do saldo orçamental global do governo, mas ajudarão a melhorar o equilíbrio entre despesas com pensões, apoio social específico (inclusivamente a agregados familiares de baixos rendimentos e aos desempregados) e investimentos.
A reforma do regime de pensões é essencial para garantir que o sistema cumpra as suas obrigações no longo prazo e também para torná-lo mais justo, tanto para a atual geração de pensionistas como entre os pensionistas de hoje e os de amanhã. Alguns deles, com longos historiais de contribuição, serão beneficiados por esta reforma.
No pico, em 2015, as pensões consumiam 38% do orçamento de despesas da administração pública, exigindo a transferências de 9,5% do PIB para o sistema de pensões. Na época, o sistema de apoio social da Grécia centrava-se sobretudo nas pensões, que eram extremamente generosas em relação aos salários ou às contribuições dos reformados para o sistema enquanto estavam a trabalhar. A grande despesa com pensões de reforma, inclusivamente as de pessoas relativamente ricas, deixava pouca margem para o apoio direto à população em maior risco de pobreza, incluindo os agregados familiares de baixos rendimentos e os desempregados.
7) Porque é que o FMI está preocupado com os planos das autoridades de retomar o antigo sistema de negociação coletiva?
Uma das conquistas mais importantes da Grécia nos últimos oito anos foi um mercado laboral mais flexível e uma estrutura salarial mais competitiva após as reformas da negociação coletiva de 2011. As autoridades sempre consideraram estas mudanças como temporárias e agora planeiam revertê‑las, o que significa que o governo voltará a ter o poder de estender as convenções coletivas de trabalho entre representantes dos patrões e dos empregados de determinado setor ou profissão a todos os trabalhadores de tal setor ou profissão.
Isto reduzirá a flexibilidade laboral e cria o risco de desvincular os salários da produtividade ao nível da empresa, o que não é um bom sinal para a redução do desemprego e a melhoria da competitividade do país na área do euro. Também limitará a flexibilidade das empresas para se reestruturarem, o que ainda é preciso fazer tendo em vista a dívida excessiva aos bancos, em impostos e à segurança social.
8) Os bancos gregos já podem ser considerados saudáveis?
Os bancos gregos foram fortemente afetados pela crise. Após o envolvimento do setor privado no contexto da reestruturação da dívida soberana em 2012, os ativos bancários perderam valor. Esta perda foi agravada por mutuários dos bancos que simplesmente não conseguiram honrar as suas obrigações e devedores em incumprimento estratégico, que aproveitaram a proteção dos devedores, conjugada com um sistema judicial ineficiente, para deixar de pagar dívidas que na realidade poderiam pagar. Aliada à forte retirada de depósitos no primeiro semestre de 2015, esta situação diminuiu drasticamente a capacidade dos bancos para conceder novos créditos.
Um dado positivo é que tem havido uma melhoria gradual em aspetos importantes, tais como liquidez global, qualidade dos ativos e governação. Contudo, as carteiras dos bancos continuam a encolher, com consequências negativas para o crédito, e é necessário um grande esforço adicional para restaurar a confiança plena no sistema financeiro e revitalizar a função de intermediação da banca.
De destacar que as autoridades reforçaram os quadros legislativo e regulamentar do setor financeiro para viabilizar a resolução dos créditos malparados. Estas ferramentas devem ser postas em prática e as restrições aos fluxos de capital que ainda subsistem devem ser eliminadas de maneira prudente, seguindo o roteiro acordado.
9) O programa de reformas da Grécia está em curso: que benefícios poderão ser obtidos pelo país assim que estas reformas forem aplicadas?
A Grécia precisa de crescimento mais elevado, mais inclusivo e sustentado. Como o país está a enfrentar uma transição demográfica muito difícil – o envelhecimento e a diminuição da população que redundará na retração da mão-de-obra – terá de fazer muito mais para melhorar a participação e a produtividade dos trabalhadores e atrair investimento.
A concretização plena dos benefícios das reformas atuais será gradual, mas a Grécia precisará de esforços sustentados de reforma, além das que já estão previstas, para atrair mais investimento, gerar mais empregos de qualidade e conseguir prover uma melhor proteção social.
A aplicação firme de reformas irá melhorar progressivamente a prosperidade e o bem-estar da população grega e, assim, tornar a economia do país mais resistente a choques e encurtar a distância que o separa dos seus parceiros da área do euro.