Resiliência em um mundo de incerteza
17 de outubro de 2025
Obrigada, Vice-Primeiro-Ministro Olavo Correia. Espero que minhas futuras viagens me levem a visitar as belas praias de Cabo Verde e a ouvir as emocionantes canções de Cesária Évora — ou talvez o grito de vitória da torcida! Parabéns à Seleção de Cabo Verde por classificar-se para a Copa pela primeira vez na história do país!
Caro Ajay, não consigo pensar em ninguém melhor do que você como parceiro no Banco! Obrigado também por suas palavras e pela sua incansável atenção voltada inteiramente para os empregos.
Como você mesmo apontou, Ajay, o mundo enfrenta uma grande divisão demográfica. Vamos olhar um mapa-múndi: primeiro, vemos um conjunto de países que lutam contra o envelhecimento e o encolhimento da população; em seguida, um grupo no meio; e, por fim, grandes partes da África e áreas do Oriente Médio e da Ásia Central, onde o crescimento populacional está acelerando, assim como a força de trabalho jovem (Figura 1).

Aos nossos países membros dos quatro cantos do mundo, minhas calorosas boas-vindas. Afirmo desde já que as ideias que eu venha a apresentar hoje aos senhores refletem a sabedoria coletiva da dedicada e talentosa equipe do FMI proveniente de 172 países.
A todos da direção e do corpo técnico do FMI presentes neste salão: por favor, se levantem para serem reconhecidos: do nosso novo Primeiro Diretor-Geral Adjunto, Dan Katz, até os restantes membros da Direção, e todos os demais!
Desde nosso último encontro aqui nesta grande sala, em 25 de outubro de 2024, a incerteza aumentou de forma intensa e contínua — mas o sentimento global se mantém (Figura 2). Em outras palavras, temos uma mistura de ansiedade e resiliência. Hoje, gostaria de refletir sobre esses dois aspectos.

Primeiro, a ansiedade.
Da tecnologia à geopolítica, do clima ao comércio, as mudanças inquietam, perturbam. O sistema comercial internacional, que proporcionou tanto a tantas pessoas, está sendo abalado até o seu centro — e são muitas as razões: as condições não estavam verdadeiramente niveladas e as pessoas que ficaram para trás receberam pouquíssima ajuda para se requalificar e, assim, buscar um novo emprego, um emprego melhor.
Vemos medidas não tarifárias assertivas que vão desde licenças de importação até controles de exportação e taxas portuárias, com os subsídios respondendo por apenas uma parte do quadro (Figura 3). Vemos políticas industriais alheias aos mercados e distorções cambiais.

E, é claro, temos a disparada das tarifas dos Estados Unidos neste ano, e eis um fato importante: 188 dos nossos 191 países membros até agora evitaram ações retaliatórias na forma de tarifas.
Após ter observado que as barreiras comerciais prejudicam tanto o crescimento quanto a produtividade e após ter instado as autoridades a preservarem o comércio como motor do crescimento, acolho com satisfação essa moderação por parte da maioria dos países, embora certamente o futuro nos reserve mais mudanças.
Apesar de toda a instabilidade atual, estima-se que 72% do comércio internacional ainda se dá com base no princípio da nação mais favorecida, ou seja, os países tomam sua tarifa bilateral mais baixa e a aplicam a todos os seus parceiros comerciais. Não é complexo, é simples.
O comércio não é um jogo de soma zero. Desde que as empresas consigam manter cadeias de suprimentos robustas e diversificadas, desde que os governos consigam manter a sua autonomia estratégica e ajudar os que são prejudicados pelo comércio e desde que os saldos externos não sejam insustentavelmente altos, as importações e as exportações aumentam o bem-estar. Não é de se admirar que a atual incerteza em torno das políticas comerciais e o risco de perder o comércio como motor do crescimento estejam gerando ansiedade.
Dito isso, passo à resiliência.
Apesar das mudanças radicais na política econômica que vimos neste ano, e contrariando as previsões de muitos especialistas, a economia global conseguiu se manter razoavelmente bem até agora. O crescimento mundial deve desacelerar de 3,3% no ano passado para 3,2% em 2025 e 3,1% em 2026 — mais lento do que o necessário e abaixo do que prevíamos há um ano, mas sem nenhuma desaceleração drástica.
Uma razão para essa resiliência tem sido a adaptabilidade do setor privado, como visto na antecipação das importações, na formação de estoques e no fortalecimento da cadeia de suprimentos. Anos de lucros robustos possibilitaram que exportadores e importadores reduzissem as margens e, assim, amortecessem o impacto nos preços aos consumidores decorrente da elevação das tarifas, pelo menos por ora.
A outra razão é, por assim dizer, uma faca de dois gumes: os investimentos do setor privado em inteligência artificial estão em alta, sobretudo nos Estados Unidos (Figura 4). Isso está apoiando o crescimento mundial e dos Estados Unidos e proporcionando a todos condições financeiras favoráveis.

É aqui que corremos o risco de o otimismo — nesse caso, sobre o verdadeiro potencial da inteligência artificial — se transformar em complacência.
Das ferrovias à internet, a história da resposta dos mercados financeiros a novas tecnologias inovadoras é de superestimativas e correção do mercado — aqui, temos uma ilustração do episódio das pontocom e seu impacto no crescimento (Figura 5). Seria sensato que o mundo cuidasse desses riscos.

Mas como? Precisamos de uma forte supervisão do setor financeiro, atenta à aceitação de riscos excessivos e às crescentes ligações entre bancos, instituições não bancárias e as criptomoedas, e precisamos também de uma política monetária judiciosa.
Essa e outras recomendações transversais pontuam nossa supervisão multilateral, refletida nas novas edições de Perspectivas da Economia Mundial, Relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial e Monitor Fiscal — lançadas nesta semana —, que esclarecem, baixam a fervura e propõem um caminho a seguir.
Na nossa supervisão bilateral, realizada por meio de consultas regulares com todos os nossos países membros — sejam eles avançados, de mercados emergentes ou de baixa renda —, bem como no nosso Programa de Avaliação do Setor Financeiro, traduzimos nossa assessoria multilateral em recomendações de política econômica bem adaptadas para cada país.
Nas diversas reuniões que realizei esta semana, aconselhei os ministros das finanças e os presidentes dos bancos centrais a não apenas mitigar os riscos de curto prazo, mas também a adotar uma visão de longo prazo, preservando instituições independentes, responsáveis e eficazes, bem como identificando, capturando e aproveitando as oportunidades que as mudanças inevitavelmente trazem.
Vemos três objetivos de médio prazo:
- Primeiro, restaurar as finanças públicas. Isso é necessário para que consigam absorver novos choques e suprir necessidades urgentes sem aumentar os custos de financiamento do setor privado. Nenhum ministro das finanças deve se limitar a esperar que o crescimento se acelere e venha ao seu socorro. Pelo contrário, a consolidação fiscal pode liberar recursos para apoiar o crescimento liderado pelo setor privado.
- Segundo, reequilibrar a economia interna e externa. Isso é necessário para garantir que desequilíbrios macroeconômicos excessivos não surjam como um fator perturbador. Precisamos de consolidação fiscal em alguns lugares e de políticas para elevar a demanda interna em outros.
- E terceiro, elevar a tendência de crescimento. Isso é essencial para que as economias gerem mais empregos, reforcem a arrecadação e melhorem a sustentabilidade das dívidas pública e privada.
Elevar o crescimento exige atuar em três frentes: a primeira envolve a implementação de uma reforma regulatória que incentive o empreendedorismo privado; a segunda, uma integração regional mais profunda e, a terceira, a preparação para aproveitar as oportunidades oferecidas pela inteligência artificial.
A reforma regulatória e a integração regional estão estreitamente interligadas, entre outras coisas, porque muitas das regras e regulamentações que dificultam a atuação das empresas privadas internamente também restringem a circulação de bens, serviços, pessoas, capital e ideias entre os países. Muitas dessas regulamentações também funcionam como barreiras não tarifárias, um fator-chave para a desigualdade de condições no nível global.
Neste novo mundo de acordos bilaterais e plurilaterais, vemos um cenário comercial global diverso. As economias pequenas e dependentes de exportações se veem numa posição passiva em relação às demais, enquanto as grandes e relativamente menos abertas — ou que controlam insumos cruciais para as cadeias de suprimentos globais — têm poder de negociação. Se observarmos este conjunto de pontos que mostra os países segundo o tamanho das importações e a abertura comercial, o quadrante inferior direito é onde encontramos as economias maiores e menos abertas (Figura 6).

Muitos países estão procurando se fortalecer e ter voz por meio da coesão. Aqui vemos uma seleção dos blocos comerciais mundiais, cada um com mais tamanho e peso do que os seus países membros individualmente (Figura 7). Nosso conselho para os blocos comerciais mundiais? Reduzam os atritos internos e levem à frente a integração para ter mais resiliência e crescimento.

Por fim, o outro possível acelerador do crescimento da produtividade global é a inteligência artificial. No FMI, esperamos ver ganhos reais, mas dentro de uma faixa muito ampla — um aumento no crescimento da produtividade global de 0,1 a 0,8 ponto percentual ao ano.
A inteligência artificial também eliminará milhões de empregos, afetando, em especial, os recém-formados nas faculdades, e as autoridades devem atuar para facilitar essa transição. Profissões antigas desaparecerão enquanto outras surgirão: especialistas em big data, engenheiros de fintech, peritos em aprendizado de máquina, etc. Essa rotatividade não é incomum. Pensem em como o automóvel substituiu a charrete.
A chave para maximizar os ganhos de produtividade e administrar as consequências da inteligência artificial é a preparação. Nossos estudos constatam que Singapura, os Estados Unidos e a Dinamarca estão na vanguarda, enquanto muitos outros estão mais atrás. Como linha de transmissão para as melhores práticas globais, o FMI oferecerá suporte a todos os países membros, com foco na gestão das implicações macroeconômicas.
Internamente, é claro que estamos avançando com a adoção de uma inteligência artificial própria — também para levar mais conhecimento ao alcance dos nossos países membros.
Estamos aumentando a nossa produtividade e, ao mesmo tempo, preservando a nossa já característica disciplina orçamentária. O FMI cobre as suas despesas operacionais com receitas próprias, sem depender de dotações anuais — e mantém um sólido compromisso com a eficiência.
Apesar da crescente complexidade da economia mundial e da ampliação dos serviços que prestamos aos nossos países membros, nossas despesas administrativas hoje são praticamente as mesmas de 20 anos atrás (Figura 8).

O nosso trabalho de desenvolvimento das capacidades abrange assessoria operacional, com quase 3 mil projetos concluídos no ano passado; capacitação, com mais de 500 cursos atendendo a mais de 19 mil funcionários de governos durante o mesmo período, e a organização de eventos, como a nossa primeira conferência sobre mercados emergentes, realizada em fevereiro em Al Ula, na Arábia Saudita, em parceria com o ministro Al Jadaan.
A nossa atividade creditícia, ancorada no ajuste macroeconômico e na condicionalidade, abrange atualmente programas com 43 países membros, para os quais foram aprovados US$ 37 bilhões desde outubro do ano passado, dos quais US$ 5 bilhões foram destinados a nove países de baixa renda.
Em um mundo incerto, é essencial que o FMI esteja dotado de recursos suficientes. Nesse sentido, gostaria de reiterar dois pedidos aos nossos países membros:
• Primeiro, com referência à nossa base de quotas. Estamos trabalhando para que o aumento das quotas em 50% acordado no ano passado seja efetivado. A todos os países membros que ainda não ratificaram esse aumento, peço que o façam rapidamente.
• Segundo, a respeito do nosso Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento, o nosso principal instrumento para conceder empréstimos em condições concessionais aos países de baixa renda. Estamos avançando com as reformas acordadas no ano passado para posicionar o PRGT na trajetória da autossustentabilidade, o que abrange, primeiro, alocar até US$ 9,4 bilhões em uma conta provisória ao longo de cinco anos e, segundo, chegar a um ponto em que 90% do capital dessa conta seja destinado ao PRGT. Até o momento, 20 países — mais recentemente a Índia e, ontem, a China — apresentaram garantias que totalizam 43%. Todavia, um apoio mais amplo dos países membros continua a ser essencial para chegarmos a 90%. É esse apoio que lhes peço.
Por último, há mais um assunto que gostaria de trazer à sua atenção: o Fundo Fiduciário para Alívio e Contenção de Catástrofes (CCRT), o nosso mecanismo para conceder subsídios para ajudar os países membros de baixa renda a pagar o serviço da dívida com o FMI caso enfrentem desastres naturais ou de saúde pública. Com razão, o CCRT foi esgotado durante a pandemia.
A nossa ambição deve ser continuar a ajudar os nossos países membros mais pobres quando se deparem com situações fora do seu controle. Os montantes necessários neste caso são da ordem de milhões, não de bilhões, e fariam uma enorme diferença. Assim, agora, ao voltarem às suas capitais, lhes peço o seguinte: considerem a possibilidade de abrir uma discussão sobre a reposição do CCRT — para o bem maior.
Gostaria de encerrar com algo mais leve.
Em março do ano passado, fiz um discurso na Universidade de Cambridge sobre “as perspectivas econômicas para os meus netos” em que demos vida a algumas célebres palavras do grande John Maynard Keynes. Eis o áudio que ouvimos naquela data.
E agora, 18 meses depois, vejam o nosso novo avatar de Keynes, produzido com inteligência artificial, passeando por este salão!
Acho que não há melhor maneira de encerrar do que com essa pequena brincadeira, acho eu. Apesar de toda a ansiedade que as mudanças trazem, sejamos otimistas! Vamos nos animar com o progresso da humanidade que o novo ano que se aproxima certamente nos trará!
Obrigada!

